Experiência do paciente –
O desafiador percurso assistencial fora do consultório
A reorganização da rede de atenção para uma centralidade na Atenção Primária prevê toda uma mudança paradigmática. Do ponto de vista clínico, essa mudança ocorre ou ocorrerá através do Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP). Mas será que é suficiente praticar os princípios do Método Clínico Centrado na Pessoa apenas dentro do consultório?
Para entendermos porque não, vamos primeiro ter de entender o conceito de Experiência do paciente!
Muito embora às vezes não tenhamos essa dimensão, o paciente antes de entrar em nosso consultório, ou mesmo depois de sair dele, percorre todo um caminho através da rede de atenção. Esse caminho é o que chamamos de Percurso assistencial, que vai desde o momento em que ele percebe algum sintoma diferente e decide agendar uma consulta médica até o final do atendimento, incluindo também o pós-consulta com a avaliação por parte do paciente.
Para compreendermos a complexidade desse caminho, acompanhemos a Jornada do Paciente, aqui retratada no caso de um mãe de “primeira viagem”.
A mãe preocupada, dirige-se para a unidade de atendimento, procura um lugar para estacionar o carro, e chega à recepção. Lá, ela conversa com a recepcionista, e é dirigida a aguardar a triagem da enfermagem. Após algum tempo é chamada à consulta de enfermagem, que faz sua classificação de risco. Mais uma espera, segundo a classificação, para chegar à consulta médica. Após a consulta passa na farmácia para adquirir os medicamentos prescritos e retorna a sua casa.
Como mostra a imagem, o paciente percorre várias etapas e, a cada etapa, ele vai vivenciando uma experiência de cuidado que será interpretada sob a sua óptica. Veja, por exemplo, as tabelas abaixo que descrevem a ação, pensamento e sentimento da mãe em sua jornada em busca de atendimento:
Veja que são várias as percepções e sentimentos que sobrevém no momento de experiência de doença. E eles são naturalmente influenciados por vários fatores, tanto pessoais, quanto relacionais e técnicos.
Dessa constatação, note que, diferentemente do que se pode pensar, a forma como os cuidados são prestados é considerada tão importante quanto o próprio cuidado em si. É desse modo que, por mais que possa ter recebido um cuidado biotecnicamente bom, tanto por parte da enfermeira, quanto do médico, as expectativas trazidas em cada etapa, seja de entender o fluxo de atendimento dentro de uma cultura medicocêntrica, seja de receber orientações claras sobre a situação da sua criança, foram frustradas, afetando negativamente toda a percepção de valor que se intentou entregar.
Repare que intencionalmente preferimos adjetivar o cuidado exemplificado como biotecnicamente bom e não tecnicamente bom, porque também as habilidades de comunicação são técnicas passíveis de aprendizado e ensino, de modo que fazem parte, portanto, do escopo de competências do que se denomina tecnicamente bom. |
Isso nada mais é do que a consequência do descompasso entre as dimensões de demanda, necessidade e oferta dos serviços de saúde para com seus pacientes. O que a paciente acha que precisa (demanda) foi diferente do que ela realmente precisa (necessidade) e isso é ainda diferente do que ela recebeu (oferta).
Tamanha confusão é justamente uma das consequências de não se centrar o cuidado no paciente, não explorando a sua experiência de doença (Componente 1 do MCCP), não procurando entender a sua complexidade como um todo (Componente 2 do MCCP) e, por conseguinte, não elaborando um plano de manejo comum que conflua a necessidade (Componente 3 do MCCP) e, a demanda e também a capacidade de oferta.
Esse descompasso, contudo, não é percebido pelo profissional de saúde que, imerso no universo das rotinas e linguagem da área de saúde, esquece-se ou mesmo desconhece a jornada pela qual o paciente leigo perpassa, com todos os seus medos e anseios. A isso tudo, importante também acrescentar uma tendência de mudança de perfil de comportamento dos pacientes em geral, que tem acrescentado mais fatores de conflito a esse descompassado encontro profissional de saúde – paciente, dentro de uma perspectiva biomédica.
E agora diante de toda essa compreensão, como lidar com isso?
Do ponto de vista da Atenção Primária à Saúde, isso significa justamente cumprir de modo funcional os próprios princípios da atenção primária, que em essência já incluem as noções de centralidade no paciente, gestão de uma população e organização racional de recurso.
Ou seja, extrapolando o ambiente do consultório, para permear todo o serviço com seus princípios, a fim de influenciar positivamente o que se denomina de experiência do paciente, que, como vimos, começa muito antes e termina muito depois dele ou dela sair do consultório.